Ode à Uma Noite Vazia

Ler ao som de At the Drive In, One Armed Scissor:

One Armed Scissor - At the Drive-In

A fumaça espessa de cigarro emoldura as tristezas, revoltas e dúvidas residuais de uma música de At the Drive In que ainda pulsa em seus ouvidos obtusos. Ele fica em uma posição cômoda, distraída e posada, com os dois pés repousados em um longo banco de madeira encostado-se a uma das paredes e com a mão estendida gerando apoio e seus olhos inquietos percorrendo o pequeno cômodo que serve de pista de dança para aquele singular ambiente chamado de bar. Em uma surpresa agradável, tem a atenção desviada para a projeção na parede, onde as batidas do som alto sentidas em seu peito anunciavam o início de Out of Space. Imagens cheias de saudosismo e memórias de beijos perdidos no contar incessante do tempo. O sorriso denota o sarcasmo de seu próprio clichê. Mais um trago.

A distração momentânea lhe serve bem, colocando a figura esguia da pequena morena em seu raio de visão. Ela dança sensualmente – sensual demais – e reanima seu ânimo de perdido. Esguia como a lembrança que lhe traz lágrimas.

Em mais um dia. Em mais uma noite. Em mais um momento vive de fantasia. Fantasia. Fantasia de meia-arrastão e saia curta. Fantasia de sexo casual ao som de Bauhaus. Dançando com borboletas. Não, não. Cocteau Twins. Som de violão e aquela voz tão adorada. Dançando solitariamente contra uma parede, tentando capturar borboletas imaginárias, cercado de pessoas que lembram aquela Morte de Neil Gaiman. Aquela voz ao pé do ouvido. Êxtase. Êxtase balbuciado gerando o comentário de seu amigo gay: “Gostosa, não?”. Sorriso sem-graça; quase delicado. Mas não sem mais um trago.

Hoje, talvez uma conversa interessante sobre o formato das nuvens ou tentar conhecer alguém novo. Copo vazio ou uma Coca-Cola?

Que vida é essa? Cheia de solidão auto-imposta e de uma autopiedade sem explicação. Pintura em umas das paredes com sua assinatura ou o guardanapo com desenho de um olho. Sempre sozinho e sempre acompanhado. Decidido a encher seu copo, levanta-se e caminha, repousando-o sobre o balcão e pedindo a mistura de sabores tão tradicional em sua roda de amigos para o dono-barman-garçon-dj daquele lugar. O primeiro gole é doce. Doce como um beijo desesperado e cheio de paixão momentânea.

Decidido a extinguir sua solidão, senta-se em uma mesa para conversar com sua amiga, que por sua vez conversa com uma amiga de sua faculdade. Bonita, alta, de corpo curvilíneo e voz sensual. Logo a conversa é monopolizada pelo interesse mútuo e a distraída – note o sarcasmo no tom de voz – amiga se retira sob a desculpa de buscar uma cerveja ou qualquer outra coisa que a entorpeça. Não sabe ao certo. Mais um cigarro e a tomada do desespero da chegada cada vez mais próxima de mais um amanhecer solitário, traz palavras cheias de malícia para a boca dos dois prováveis amantes desconhecidos. Sem saber se é o cheiro acre de seu hálito ou o desvio da conversa para assuntos pseudo-intelectuais, observa a candidata desta noite se retirar com a desculpa de que precisa ir ao banheiro. Mas já sabe que não haverá regresso. Não naquele salão cheio de almas interessantes, boêmias. Todas tão cheias de qualidades e defeitos quanto seu observador, mas onde alguém com intenções e palavras mais diretas olha agora para aquela moça alta e seu vestido azul. Ninguém quer saber se o mundo acabará ao amanhecer, se a vida continua ou se antes de dormir irão a uma loja de conveniência comer um Cup Noodles antes de dormir. Ninguém quer saber o que aconteceu em seu trabalho ou quantos relatórios irão fazer para a próxima segunda-feira. Ninguém se lembra há quanto tempo tomou seu banho; à não ser - é claro - se já houver a possibilidade de mais uma transa. Todos estão ali, vivendo seus momentos pessoais e únicos, fazendo a única coisa que lhes importa naquele momento. Seja qual for a estratégia da noite, todos tentarão realizar seus desejos.

Seja o garoto que quer sexo ou o que quer encontrar alguém que lhe arranque a virgindade persistente. Ou a garota de saiu de casa com seus amigos e amigas com a intenção de dançar. Ou se a mesma garota mudou de idéia e decidiu flertar com o rapaz de aparência oriental e sobrenome espanhol. Todos se realizarão. Talvez cheguem em casa e farão sexo com seu companheiro antes do beijo de boa noite. Talvez durmam sozinhos e lamentando-se de uma existência vazia e sem sentido que se afoga facilmente em um copo de bebida destilada. Talvez dormirão em uma marquise ou simplesmente cairão em coma alcoólico. Talvez e ninguém se importa.

A mente voa para um lugar estrelado sob as pálpebras fechadas para sentir o movimento de sua dança pouco antes do sorriso fugidio selar seu compromisso com seu velho companheiro: o longo banco solitário.


Pandora - Cocteau Twins

dir. aut. lei nº9610 de 19.02.98

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