Calíope e Orfeu




Sempre achei engraçado o fato de que sonho em primeira pessoa; vendo o sonho como se fosse visto pelos meus olhos. Mas, nestas noites, tenho tido sonhos diferentes, em que eu vejo o desenrolar do mesmo em terceira pessoa, e eu não participava diretamente dele – era mais como ler um livro. Estou relatando uma mistura dos mesmos (com devidas adaptações e licenças poéticas), para tentar compreendê-los melhor e praticar o ato de escrever (I’m back!).


Calíope e Orfeu

Fernando César Oliveira de Carvalho


Calíope e Orfeu, se conheceram ao acaso, através dos amigos dos amigos e amigos em comum, sempre riram de seus próprios nomes e como eles se relacionavam, apesar de não haver ligação entre eles. Mas, Calíope não pensava neste fato, enquanto batia nervosamente o pé na perna da cadeira que estava sentada. Preocupava-se com o que diria seus pais ao saberem que aceitara o convite de Orfeu para visitar sua casa. Moça de família, na casa de um rapaz solteiro; sozinha?

– Bem, ao menos é a casa da tia dele, e não dele... – pensava. Denunciava sua impaciência com suspiros intermitentes, enquanto ouvia o pingar do chuveiro e o cheiro de vapor e sabonete, que chegava à cozinha – limpa demais, por sinal – da casa; esperando o cumprimento da promessa de ficar com os lábios dormentes, de tantos beijos que receberia no cinema, depois da exposição que visitariam; belos programas para um domingo. Levantou-se, impelida pela curiosidade de saber como que uma cozinha de um rapaz solteiro – apesar de morar com outras pessoas – estava tão limpa. Absorta em seus pensamentos, só reparou que estava sendo observada quando uma sombra ocupou parte da mesa, em que estava apoiada. Levantou os olhos e viu Orfeu, encostado na parede do corredor, somente com uma toalha e gotas de água escorrendo pelo corpo, e aparentemente hipnotizado pelo pequeno vislumbre dos seios da mulher à sua frente; que se deixavam mostrar pelo decote da camiseta cavada de Calíope. Com uma voz doce, que escondia o fato de ser ou não uma repreensão, Calíope chamou a atenção de Orfeu: - Ô!

Parecendo ser desperto de um sonho, ele balançou a cabeça de forma quase imperceptível, e abriu um sorriso sem-graça para ela. Neste momento, ela o observou mais atentamente. Ele não era exatamente um tipo atlético, com sua barriga – pouco, mas – protuberante. Entretanto, com seu cabelo molhado e pingando, emoldurando seu rosto, seus braços cruzados de forma desafiadora e particular frente ao corpo, ela o via como Apolo; seu Apolo. Calado, ele vira-se para o corredor sem desviar seu olhar dela ou, deixando esmaecer o sorriso, entrando e deixando a porta do banheiro aberta. Calíope sentiu um frio na barriga, ao perceber as intenções do olhar desafiante de Orfeu. Mas, movida novamente pela curiosidade, deixou-se levar pelas pernas em direção ao corredor. Ao chegar frente à porta, não conseguiu conter o pequeno riso que soltou a se deparar com a figura que passava creme hidratante, desajeitadamente, em seu próprio corpo.

- Negro se não passa creme depois do banho, fica cinza – disse ele, rindo de suas próprias bobagens.

As narinas da garota, são invadidas pelo aroma familiar e adorado, do perfume que ela tanto gosta que ele use; que fora também presente dela mesma:

- Lembra o dia que você me deu esse negócio? Fez eu tomar um banho com ele, só porque você gosta... – ele diz.

– Esse negócio? Você fala com este desdém todo, mas não esquece de usá-lo todos os dias pra’quelas vagabundas do seu curso ficarem te cheirando! – ela respondeu, prontamente.

- Olhe bem, não precisamos começar outra discussão por causa desse teu ciúme bobo; você sabe que eu uso pra você, oras! Olha aqui, vou colocar a roupa e vamos sair, ta bem?

- Tudo bem! – responde ela – Mas, anda logo, que você parece uma noiva para se vestir...

Ele, irritado com o comentário, dirigiu-se para o quarto pisando forte, para deleite de Calíope, que adorava irritá-lo. Tão logo ele entrou em seu quarto, já voltou para a porta com a camiseta rosa que ela odiava, somente para provocá-la. Mas, com um ar de seriedade, ele chamou-a para o quarto, com o dedo:

- Nã, nã, nã, nã, não. Sei muito bem o que o senhor está pensando. Tá achando que eu sou o quê? Anda logo aí... – ela lhe disse.

- Ei! Só quero te mostrar uma coisa. É sério, venha ver, vai...

- Eu odeio quando você fala com esse “jeitinho”, porque sabe que eu acabo cedendo. Mas, dessa vez, você não me convence.

-Vem, anda! Você vê e a gente sai. – ele diz, com cara de quem não está brincando.

Ao entrar no quarto de Orfeu, ela logo vê o quanto está diferente das fotos – visto que era sua primeira vez ali - do site de relacionamentos; uma cama de casal, um guarda-roupas enorme, televisão, cômoda, rack, prateleiras, tudo muito bem organizado.

- Eu mudei o quarto, Calíope, para receber você sempre que vier me visitar. Quero que se sinta confortável. – diz ele, olhando para os objetos.

- Para quem vive reclamando de falta de dinheiro... – ela lhe responde, com ar de deboche. Mas, logo sente sua nuca arrepiar-se, quando ele a abraça por trás, e roça os lábios em sua nuca enquanto fala:

- Qualquer esforço é mínimo para tê-la mais tempo ao meu lado...

Ela gira sobre os calcanhares, já perdendo sua característica postura austera e imponente, exalando fragilidade, quando ele se desvia em direção à rack e liga o aparelho de som, ainda cheirando à plástico.

- Sacanagem! Você adora fazer isso comigo, seu idiota!

- Calma! – diz ele, com aquele sorriso provocativo nos lábios, enquanto aumenta a voz feminina que sai das caixas de som – Queria apenas te mostrar o Cd da Lauryn Hill que eu comprei! Sacanagem? Você ainda não viu nada...

Ele a toma em seus braços, sentindo a resistência que ela impunha, mas seus risos e avanços a fazem ceder:

- Você é um pilantra! Adora me sacanear... – diz ela, entre os dentes, com os lábios abertos e os olhos semicerrados.

- E você adora, não é? – fala ele, em murmúrios, já tocando os lábios dela com os seus.

Ela é tomada pelo entorpecer dos seus sentidos, e as mãos tentam sozinhas, repelir o impulso ao qual a mente já se entregou. Sente o toque em seu rosto, da mão de formato rústico, mas, que para sua surpresa, é quase desprovida de calosidades e tem o toque suave, quase que uma lembrança, em contrapartida do braço que a envolve com força, encostando seu corpo ao dele. Sente-se tragada pelos sentidos e pelo hálito doce e fresco, de dentes recém-escovados, em uma guerra furiosa de línguas, buscando espaço nas bocas às quais não pertencem. A leve curvatura das costas dela, sempre convidativa para um passeio realizado pelas mãos de Orfeu; e hoje, ele resolve ousar. Procura inconscientemente, brechas nos códigos dos limites impostos em silêncio. Cautelosamente, suas mãos descem pelos quadris de Calíope, não encontrando sinal de resistência. O beijo se torna mais afoito e o abraço mais apertado. Ele cessa as carícias, olhando-a com ar intrigado; o sorriso é sua resposta. Desta vez, quem toma a iniciativa do beijo, é ela, se deixando levar pelo abraço abusado de Orfeu. As mãos, já sem pudor algum, deslizam e apertam os glúteos que ele sempre olhava de sosleio, com medo de sua postura de seriedade. Ele sempre se sentiu receoso e temeroso, com as reações dela. Mas, o suspiro e a elevação de seu pescoço, denunciava aos olhos dele que ela já estava entregue. Com um não murmurado, ela tenta afastar os pensamentos libidinosos e impedi-lo de adentrar a fortaleza de sua calça, com sua mão escorregadia. Agora, em vão.

Ele sente a aspereza do bordado da lingerie, enquanto os olhos entreabertos de Calíope vê manchas que poderiam ser quadros. Ao tocar a pele macia e sentir o volume desejado, que em seus elogios dizia pertencer à uma deusa, ele arfa e sente seu coração acelerado bater na boca. Em seu desespero masculino, vê os tecidos que os separam como um empecilho a ser transposto. Se pudesse, atravessaria seu obstáculo com seu próprio corpo. Ou parte dele.

Calíope sente seu pescoço propelir para frente, ao deixar de sentir o toque úmido em seus lábios. Abre os olhos em busca de respostas, quase que soltando impropérios pela interrupção, e encontra os olhos de Orfeu mirando os seus. Com um sorriso nos lábios, sem ironia e com doçura, ele pede desculpas por estar tão afoito; quase esbaforido. Tenta traduzir em palavras seu descontentamento pela interrupção, mas acaba apenas questionando o pedido de desculpas:

- Você fala que sou encanada, mas você sempre vem pedindo desculpas...

- Eu tenho medo que acabe fazendo alguma besteira, sei lá... Algo que você não goste. – ela sorri e diz:

- Deixe de ser bobo, Orfeu!

Ela toma a mão dele, e beija seus dedos, sem desviar os olhos dos dele, e não sabe o que lhe dá mais prazer: o ato em si; ver o quanto ela o excita; ou o misto de espanto e prazer que estampa o rosto do amado. Ela aproveita a hesitação dele e passa a língua em seus dedos, fechando os olhos e deixando que as sensações e fantasias o atinjam como uma flecha de fogo; e aproveitando para mostrar seu ritmo: lento e vigoroso. E ele deixa-se levar.

Para mostrar que entendeu a mensagem, ele a puxa delicadamente, chocando o corpo dela contra o seu, virando-a de costas, sem aviso. Passa a beijar seu pescoço, fazendo-a sentir sua respiração, agora lenta e pesada, no lóbulo de sua orelha. Ele afasta, em um toque carinhoso, os cabelos lisos de sua nuca; deixando-a arrepiada com a brisa de seu suspiro. Com a língua rígida e úmida, percorre sua nuca, voltando em movimento descendente, assoprando. Com destreza e habilidade proporcionada aos amantes, ele percorre todo o corpo de Calíope sobre os tecidos, que agora, fazem parte de seu jogo.

Ela sente sensações únicas, com os dedos que a tocam e os beijos em sua nuca, fazendo-a contorcer-se e pensar de forma fulgaz, o quanto cada homem em sua vida a fez sentir-se diferente; como se cada vez, fosse uma mulher diferente também; e como cada vez era única. Mas, esta, é com certeza a melhor. E sem saber o que fazer com as mãos – pois, cada pensamento a respeito era um raio, de milésimos de segundo – ela tocava por sobre suas mãos, quase o fazendo percorrer os caminhos de seu prazer, mas, estava se divertindo com cada momento.

Com toques leves de seus joelhos, Orfeu fazia Calíope dar passos lentos em direção à sua cama. À cada passo, desvanecia em sua mente todas as fantasias que passaram em pensamento; o desejo agora o cegava e tirava-lhe qualquer noção que pudesse ter da realidade, neste momento. Seu gesto, compreendido por Calíope, de forma instintiva, virou-se novamente em sua direção para tomar-lhe os lábios. Entre beijos furiosos e lábios mordiscados, completaram seus trajeto.

Sem desviar a atenção de Orfeu, Calíope recolhe-se sobre a cama de costas, como se o desejo conferisse-lhe novos sentidos. Ele, atrapalhado, buscava apoio com suas mãos. Sem deixar-se deter e com graciosidade, ela tira-lhe a camiseta e vê, no peito desnudo de Orfeu, novos caminhos à percorrer. Ele, apenas coloca os braços ao lado do corpo, em total submissão ao querer de sua parceira. Ela desliza a ponta dos dedos por sobre os braços de Orfeu, sentindo levemente a pelagem rala e os músculos proeminentes, enquanto beija o pescoço do amado. Sua mente traça caminhos diferentes de seu corpo, imaginando o seu momento especial de entrega. Mas, o momento agora é dele. Sequer em seus sonhos ela imaginava que poderia ser desta forma. Deixa-se levar pelo desejo, e até mesmo a sensação áspera da barba grossa em seu rosto causa-lhe prazer; como se todo seu corpo estivesse anestesiado.

Orfeu contém-se, para não saltar como um predador sobre sua presa e rasgar-lhe a roupa. Todos os músculos de seu corpo estão retesados, mas sem esforço ou de qualquer forma consciente. Deixa-se apenas ser tragado pelo redemoinho de sensações de ver os cabelos de Calíope balançarem frente ao seu tórax e sentir os beijos em seu peito. Ele afasta-se calmamente, tendo o cuidado de deixar-se seguir por Calíope, que ocupada em beijar seu abdômen e cravar as unhas em suas costas, deixando-o imaginar que ele conduzia esta dança sem música. Com um sorriso e olhar malicioso, Calíope deixa-o perceber que ela sabia de suas intenções e, voltou suas atenções para o botão da calça que se abria, fazendo o zíper ceder, puxando as laterais da calça, cada qual para seu lado. Barulho de tecido pesado ao cair aos pés dele; não consegue manter-se impassível ao toque dos dedos, que desenhavam o volume sobre o tecido macio de sua cueca, fazendo-o soltar um pequeno gemido. Ao perceber o resultado de seu joguete, Calíope sorri e passa a beijar o corpo de seu amado sobre o tecido que restava. Sentia o vigor das pernas em seus lábios, assim como cada espasmo muscular ao seu toque. Ela sorria ao perceber a timidez e extremo estado de tensão de Orfeu; além de todo desespero que ele se encontrava. Ao tocar-lhe de forma mais íntima possível, ele pareceu soltar todo o ar existente em seus pulmões. Ela percorre todo o comprimento da parte desconhecida do corpo de seu amado com seus lábios, sobre o tecido, com suas mãos pousadas sobre os músculos da perna dele. Ela sentiu o toque das mãos dele em seus cabelos, juntando-os e colocando com delicadeza atrás de sua cabeça, para observá-la, já parecendo que desprovido de timidez. Os dedos delicados de Calíope, fizeram ceder calmamente o elástico de sua cueca, enquanto ela mirou os olhos dele, passando a língua entre os lábios; causando-lhe tremores no corpo. Nada passava pela cabeça dos dois, naquele momento. Ela apenas beijava-o de uma forma que jamais fizera, parecendo que teria todo o corpo dele pulsando dentro de sua boca; enquanto ele tinha sensações indescritíveis, ao toque da língua e boca úmidas de Calíope.

Breves momentos, que lhe pareceram eternos. Orfeu segura os ombros dela, erguendo-a, e deitando-a. A camiseta, puxada com um único movimento, revela a seminudez e os seios desejados de Calíope. O rompante instintivo e primitivo dele, já totalmente sem noção da realidade, faz com que tenha reações agressivas, refreadas pelo sentimento de proteção de sua parceira. Sua mão percorre a pele arrepiada, e o olfato é invadido pelo cheiro do pescoço beijado. Quando seus dedos tocam os seios e o corpo nu, deita-se sobre ela, parece a realização de um sonho. Sua visão torna-se turva e as sensações, as mais intensas possíveis. A mão desliza hábil e calmamente a calça da amante, enquanto em um beijo, as línguas se reencontram. Ele a puxa novamente, parecendo-se indeciso sobre o que fazer; a gira, abraçando-a pelas costas. Sua mão, em toque delicado, arrasta a calcinha delicada entre os dedos, para baixo; sob a supervisão dos dois pares de olhos.

Ela sente todo o calor do corpo dele, tocando o seu, e quase sendo queimada, entre as nádegas. Seu corpo treme, à cada pulsação ali, sincronizada com os beijos intermináveis; ora no pescoço, rosto, ora buscando sua boca. As mãos deslizam pelo corpo delgado de Calíope, uma sobre a outra, mas sem impor-se. Ele troca a posição de uma das mãos, fazendo-a tocar-se de modo meigo e erótico; passeando por todo seu corpo, tocando seus seios, seu abdômen, seu sexo. Ela sente o próprio corpo inundar-se, e ela sente a umidade em suas mãos.

Ele leva a mão dela em sua boca, e sorve o néctar que tanto desejava; enquanto movimenta-se sensualmente o corpo, fazendo-a senti-lo e desejá-lo. Busca fazê-la deitar-se, enquanto em pé, varre todo o corpo dela com os olhos, buscando excitação em cada centímetro do corpo da amada. Pega em seu pé, onde pousa os lábios e a beija sensualmente. Percorre o caminho em direção ao desconhecido prazer; beijando cada pedaço existente naquelas pernas. A curvatura acentuada das costas dela, o faz interpretar que está seguindo a trilha certa. Parando e olhando-a, assim que chega ao término de suas pernas, vira-a de costas, com um toque delicado. Deixa-a perceber suas intenções e mordisca a nádega direita; seguida de um beijo na esquerda. A sensação que ela tem é de que nunca pensaria ou desejaria algo assim, mas naquele momento, nada importava. A língua atrevida, percorre suas costas e nádegas, intercalando-se com beijos e suspiros. O som do quarto, já não é mais o silêncio entrecortado por suspiros. Os suspiros tornaram-se gemidos e a respiração pesada, tornou-se sussurros.

Ela vira-se, em sobressalto, agarrando-o e sussurrando em seu ouvido:

- Eu te quero, agora!

Sua resposta vem do silêncio, quando sente seu corpo sendo preenchido; devagar. Para a sua surpresa, o que se segue, mantém seu ritmo. Devagar e vigoroso; ritmado. As línguas se tocam mais uma vez, calando as vozes dos murmúrios e gemidos. Antes da morte, os olhos abrem-se e se miram. As almas se tocam.

Os corpos suados e cansados, abraçados em seu leito de amor, mantém-se em carícias, olhando-se nos olhos e em silêncio. Afastando os cabelos de Calíope, Orfeu olha em seus olhos e diz:

- Tudo o que eu sempre quis.

- Eu sei, sem-vergonha...


dir. aut. lei nº9610 de 19.02.98

Um comentário:

Yubikiri disse...

Nossa...uau, li somente uma vez! quero ler várias vezes! uau...